sábado, 29 de agosto de 2009

Carlos Heitor Cony

Caminhos e apelos da corrupção
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Sou a favor de maiores salários para todos que lidam com orçamento e verbas públicas
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À MARGEM dos últimos escândalos nacionais, deve-se fazer uma pergunta: pode o homem público enriquecer com os salários que recebe dos cofres da nação? Antes de mais nada, há que se estabelecer o conceito de riqueza.
Evidente que um cidadão que, desde os 25, 30 anos, exerce mandatos legislativos (vereador, deputado federal, estadual e senador) ou ocupa chefias de executivo (prefeitura, governo estadual ou Presidência da República), se não é perdulário, fatalmente atinge uma faixa confortável na classe média alta, podendo ter casa na cidade, casa no campo ou na praia, um ou dois carros etc.
Se receber herança, da própria família ou da família de sua mulher, pode transitar moralmente na categoria de rico ou milionário, ainda que tenha sido, também, homem público.
O diabo é que, nos escândalos que chegam à tona envolvendo autoridades e políticos de vários tamanhos, o que se verifica é uma desproporção entre o patrimônio inicial desses cidadãos e os patrimônios adquiridos, incluindo os decantados sinais exteriores de riqueza.
Tivemos o caso de um político que foi vereador, prefeito, deputado estadual, governador de Estado, exerceu todos esses cargos ininterruptamente, em tempo integral, sem condições de se dedicar, seriamente, a nenhum outro tipo de negócio.
O aumento de seu patrimônio foi astronômico. Em 30 anos de vida pública, ganhando apenas salários de suas funções específicas, saiu do patamar de pobre, muito pobre mesmo, para uma fortuna que na época foi calculada em torno de US$ 52 milhões. Não há corretor de imóveis, operador de Bolsa, agente de consórcio ou dono de jornal e rádio que tenha tido tal e tamanha sorte.
Outro caso não é menos grave. O cidadão tinha um patrimônio pessoal razoável, bem acima da classe média mais confortável. Pelo cálculo dos entendidos, o grupo de sua família (rádio, TV e jornal) devia andar por aí pela casa dos US$ 8 milhões. Em quatro anos de vida pública, triplicou sua fortuna.
Esta crônica não tem preocupação de acusar ninguém. Pelo contrário: sou a favor de maiores salários para os legisladores e governantes, todos aqueles que de alguma forma lidam com orçamento e verbas públicas. Em outra ponta da corda, durante muito tempo, reclamava-se da corrupção nos sistemas judiciário e policial: um delegado honesto em fim de carreira não tinha condições de comprar um Gol, de fazer uma estação de águas com a família em Lambari. No mesmo caso, estavam os agentes da justiça, oficiais, juízes, desembargadores, ministros.
Bem ou mal, a partir de uma nova definição do serviço público, muitas dessas categorias tiveram os vencimentos elevados dentro das possibilidades dos respectivos orçamentos. Bem verdade que nem por isso a eficiência melhorou, nem por isso o caminho para a corrupção foi fechado.
Sempre achei um absurdo o presidente da República ter um salário que qualquer executivo de qualquer média ou grande empresa do mercado recusaria sem maiores explicações. Evidente que há as vantagens do cargo, as mordomias que poderiam ser minimizadas desde que os salários nominais fossem compatíveis com a função.
Não lembro em que ano da década de 80 fui entrevistar um ministro na Dinamarca. Marcamos encontro numa confeitaria central; eu cheguei antes dele, como me competia. Sentei numa cadeira da calçada e esperei. Não conhecia o ministro pessoalmente. Vi um cidadão vestido formalmente chegar de bicicleta. Encostou-a no meio-fio da rua e dirigiu-se a mim e se apresentou. Era o ministro. Perguntei-lhe se não tinha carro, ele disse que tinha um skoda em casa, só o usava nos fins de semana. No ministério, tinha um carro oficial que, no momento, estava levando um assessor para uma cerimônia fora de Copenhague.
Na alternativa, fui cobrir uma cerimônia aqui no Rio na qual compareceria um governador, um prefeito, vários deputados federais e estaduais, vereadores. Foi um congestionamento monstruoso de carros oficiais e particulares. Nenhum deles chegou de bicicleta.
Não estou insinuando que a corrupção seja geral e irrestrita. Mas a hipocrisia dos vencimentos ridículos para funções do bem público é um apelo ao faturamento por fora.

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