Cultores do impossível
por Cláudio Abramo
No que talvez seja a mais famosa definição de política, Niccolò Machiavelli resumiu-a como “a arte do possível”. Referia-se ao fato de que, na política, diferentemente do que na guerra, a contraposição dos interesses por meio da negociação conduz a compromissos.
Vestida de outra forma, a concepção da política enquanto território de negociação aparece na também famosa frase do “chanceler de ferro” alemão Otto von Bismarck, segundo a qual “As leis são como as salsichas: o melhor é não saber como são feitas”.
Maquiavel vem à lembrança como consequência de uma reflexão a respeito do que se observa das reações dos leitores ao se abordarem temas políticos.
O que se observa é que, numa proporção demasiado elevada das vezes, as paixões eliminam a vida inteligente na Internet. Não se pratica a arte do possível, mas o culto ao impossível.
Quem acredita demais no poder de comunicação da Internet deveria gastar algumas horas a percorrer blogs e seus espaços de comentários.
O saldo bruto é uma quantidade fora do normal de lixo.
Comunicação pressupõe inteligibilidade. Nuvens de besteiras não constituem informação e não podem comunicar coisa nenhuma. A maior parte do que aparece na rede não comunica nada, e portanto não pode influenciar ninguém.
Como neste espaço que o eventual visitante percorre não se admitem xingamentos, trocas de insultos etc., não se publicam os exemplos mais graves de incivilidade que são comuns em outros lugares (alguns escapam, porém). Mas como, também, o pessoal animalesco que gosta disso parece constituir uma classe delimitada, depois de algumas tentativas eles desistem e vão chatear em freguesias mais complacentes.
Embora haja nuanças, a classe de observações irracionais mais frequente reúne os opositores e os defensores de algo que tanto uns quanto outros entendem mais ou menos vagamente como Lula e o PT.
Muitas vezes o sujeito sequer lê o que está escrito na nota publicada. A mente do cara funciona como um buscador. Se encontra a combinação “L-U-L-A” já lasca algum impropério, pró ou contra. Por vezes interpreta o que leu (ou melhor, que de fato não leu, ou que limitações intransponíveis lhe permitiram ler) com sentido diametralmente oposto ao que de fato se escreveu. Um traço constante é a falta de embasamento, mesmo que elementar.
Visitantes desse tipo distribuem-se dos dois lados do espectro definido pela fronteira pró-Lula e contra-Lula, embora cada grupo tenha lá suas peculiaridades. O grupo lulista tende à paranóia e ao emprego de referências que colhe no aparato propagandístico subterrâneo do PT e do governo; o traço comum do grupo antilulista é a aversão a políticas populares.
Diversos do campo lulista se entregam ao hábito que lhes foi inculcado pela pseudo-esquerda acadêmica uspiana e seus discípulos espalhados por aí (objeto de notas durante a semana passada), de considerar que o que se encontra escrito em algum lugar jamais é aquilo que quem escreveu queria transmitir, mas algo escondido num subtexto construído em seu próprio imaginário. Já que, conforme os ditames dessa “atitude crítica”, quem escreveu não tem noção do que escreve ou tem intenção deliberada de ludibriar o leitor por meio de propaganda subliminar, cabe ao genial comentarista “explicar”, “desvendar” ou “revelar” as mais extraordinárias alegações. (É assim, aliás, que se faz a ciência social brasileira bem-pensante. Mas divago.)
O que esses guerreiros dos dois lados não percebem é que uns são o espelho dos outros. Os dois subgrupos dizem a mesma coisa, a saber, que só estão interessados em xingar o outro lado do espelho.
Ao fazerem isso, cometem toda sorta de absurdos. Tomo como exemplo (poderiam ser outros, que se repetem cansativamente na forma) a história de Lula sair em defesa de José Sarney.
Na ânsia de justificar o comportamento do presidente Lula, não importa qual seja, seus escudeiros se metem na posição de defender alguém como Sarney! Qual racionalidade explicaria uma coisa dessas?
Já diversos dos oponentes de Lula e do PT recaem no equívoco de atribuir a Lula e a Sarney e companhia bela uma suposta intenção corruptora comum, ou de pespegar em Lula a intenção de destruir o Estado pela aliança com oligarquias, ou alguma combinação semelhantemente abstrusa. Como é que isso pode ser apresentado como plausível?
O que esses combatentes da Internet pretendem? Será que acham mesmo que suas atitudes resultarão no convencimento de alguém? Qual é o diálogo que propõem? Não pode ser com ninguém mais senão com aqueles que já compartilham seus pontos de vista e seu comportamento.
Cultores do impossível, falam de si para si. E do nada, nada se extrai.
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