Em turnê pelo Brasil, o líder dos Paralamas do Sucesso fala do cuidado "maternal" que recebe dos filhos (com quem reza todos os dias antes de dormir), diz que não sentiu mais a "alegria romântica" que tinha com a mulher, morta há oito anos, e afirma que a música substitui a falta de vida sexual Herbert Vianna sai do elevador de um hotel no Morumbi, empurrado na cadeira de rodas por Luiz Fernando dos Santos, enfermeiro que o acompanha há cinco anos. Calça social e agasalho esportivo, exibe um boné preto decorado com um broche de caveira. "Ganhei do Davi, filho do Moraes [Moreira]. É uma besteirinha do bem."
Oito anos depois do acidente de ultraleve que o deixou paraplégico e matou sua mulher, a jornalista inglesa Lucy Needham Vianna, o líder dos Paralamas do Sucesso está começando com a banda a turnê do disco "Brasil Afora", que passa por SP na sexta e no sábado, no Citibank Hall. A temporada está prevista para ter cerca de 180 shows e duração de pelo menos dois anos -período em que Herbert, 48, ficará menos com os filhos Luca, 16, Hope, 12, e Phoebe, 9. Ele mora com os três e com sua mãe, Teresa, que hoje vive com o filho para ajudá-lo a cuidar dos garotos.
"O que sempre tive de mais precioso é a convivência com meus filhos", diz Herbert. A ligação se intensificou após o acidente, um episódio ainda nebuloso na mente do cantor -uma das sequelas foi a perda de memória recente. No início da recuperação, ainda no hospital, as garotas Hope e Phoebe foram visitá-lo e ele não reconheceu a caçula. "Perguntei para a minha mãe se ela era amiguinha da minha filha do meio."
Hoje, ele vê nas meninas "uma janela da energia maternal", pelo cuidado que dispensam ao pai "nas trocas das peças da minha cama, horários de alimentação [ele faz um regime "supernatural", com controle de vitaminas, proteínas e carboidratos] e tal". Os dias na casa em que moram, na Barra da Tijuca, terminam sempre com uma ave-maria puxada por Hope. "Antes de dormir, damos as mãos e rezamos. É muito natural e luminoso o carinho e o entusiasmo dos meus filhos. Eles lidam bem melhor do que eu com a perda da Lucy." Herbert fala de forma pausada e com dicção perfeita. "Num dia desses", diz, levou os filhos a João Pessoa, sua cidade natal. Mostrou as praias e uma sorveteria "antiga do centro velho". "Eles experimentaram sabores da Paraíba: cajá, mangaba, o clima, a temperatura do mar." Dias depois, Hope pediu: "Pai, vamos menos para a Inglaterra e mais para a Paraíba?"
Nas viagens, o cantor divide o quarto com o enfermeiro Luiz Fernando. Na hora de ir para o show, Luiz coloca o músico no carro e segue no banco de trás. Ao chegarem ao HSBC Brasil, onde os Paralamas se apresentariam num show fechado, o enfermeiro empurra a cadeira de rodas com Herbert ladeira acima, numa rampa preparada especialmente para o artista.
No camarim, Herbert encontra o baixista Bi Ribeiro, o baterista João Barone e os três amigos da banda de apoio. "A gente já tinha tocado aqui, né? Tenho um registro [lembrança]", diz. O empresário José Fortes fala do recente documentário sobre Wilson Simonal e o vocalista pede que pensem "num clássico" do rei do suingue para que possa se lembrar dele. Alguém cita "Meu Limão, Meu Limoeiro" e Herbert começa a cantá-la. Depois, emenda "Mamãe Passou Açúcar em Mim". Ele tem boa memória de tudo o que conheceu antes do acidente.
No palco, antes do início da apresentação, um monitor colocado na frente de Herbert exibe a mensagem ""All Right" -Sol - Após os violões, entrar cantando". "All right" é o primeiro verso de "Sem Mais Adeus", e sol, o tom da música. "É só para dar uma situada no que tem que fazer", diz Barone. "Ele vê e começa a lembrar tudo, num efeito dominó."
Durante o show, alguns fãs gritam "Luiz Inácio!!", pedindo a música de 1995 em que Herbert citava o presidente e os "300 picaretas" do Congresso. Há alguns anos, ele levou o filho Luca a Brasília para mostrar a capital federal e os colégios onde havia estudado. "Estávamos nos fundos do Palácio do Planalto. O Lula soube e desceu para falar com a gente. Na volta, o Luca me abraçou e disse: "Foi para ele que você fez a música dos 300 picaretas, né?'"
Para Herbert, Lula é "uma pessoa antenada, de ouvidos abertos", que não virou um "político distante da realidade, do dia a dia, das vozes e necessidades do cidadão". Ele não tem acompanhado a discussão sobre terceiro mandato. "Para dizer a verdade, não tenho registros de lembrança disso. Mas, honestamente, acho que não seria saudável." Apesar dos gritos, "Luiz Inácio" saiu do repertório dos shows. No bis, enquanto os mesmos fãs chamam pelo presidente, os Paralamas atacam com o clássico "Óculos", com o refrão alterado para "em cima dessas rodas também bate um coração".
O de Herbert não bateu mais como nos tempos de Lucy, apesar de alguns namoros depois do acidente. Hoje sozinho, ele diz que os relacionamentos aconteceram "num estágio em que eu ainda não era eu mesmo. Estava tonto, confuso e bastante carente. Aí, eventualmente, com umas pessoas muito próximas [ele namorou Ana Beatriz Tancredo, madrinha de Phoebe, e também uma professora da escola dos filhos], eu dava um beijo, fazia alguma coisa. Mas não aconteceu de eu sentir alegria romântica", diz. "Além disso, tem a questão da condição física, porque eu não tenho sensibilidade, ereção."
O roqueiro diz que sexo, "para ser cem por cento honesto", não lhe faz falta. "Não sinto uma energia de libido explosiva. A minha vida sexual com a Lucy foi absolutamente linda, poética, maravilhosa mesmo. Eu não sinto aquele "drive tarado"." A energia foi canalizada para a música. "Tenho instrumentos em todos os lugares da casa, no jardim, em todos os cantos onde passo algum tempo." Nas viagens, leva um sistema portátil com dois microamplificadores, uma minibateria eletrônica e uma guitarra. "Fico tocando e viajando.""Não sinto uma energia de libido explosiva. A minha vida sexual com a Lucy foi absolutamente linda, poética, maravilhosa mesmo. Eu não sinto aquele "drive tarado""
por Diógenes Campanha
Nenhum comentário:
Postar um comentário